Newsletter #12: Seu Relógio Te Conhece Mesmo? A Ciência Por Trás dos Wearables

03/02/2025

Wearables: dá para confiar nos números?

                Hoje é 3 de fevereiro e, depois de um domingo festivo com direito a uns chopes a mais, acordei e constatei o que já esperava: minha variabilidade da frequência cardíaca (VFC) caiu bem abaixo do meu padrão. Mas será que esses wearables realmente são precisos para medir a frequência cardíaca (FC), monitorar o sono e calcular a VFC durante a noite de forma confiável? Essa é uma dúvida que chega até mim cada vez mais, tanto por parte de profissionais quanto de pacientes, que questionam a acurácia desses dispositivos e até que ponto podem confiar nos dados que fornecem.

                   Os wearables – smartwatches, anéis, roupas inteligentes e outros dispositivos – são conhecidos como tecnologias vestíveis e ganharam popularidade nos últimos anos, oferecendo uma forma acessível de monitorar a saúde, otimizar o treinamento físico, avaliar níveis de recuperação e estresse. Além disso, esses dispositivos podem auxiliar cardiologistas e profissionais da reabilitação na identificação e registro de arritmias cardíacas, tornando possível a monitorização do traçado do ECG em condições antes impensáveis. 

                    Nesta edição da newsletter, vou explorar como essa tecnologia funciona, qual o real nível de precisão que esses dispositivos oferecem e quais são suas limitações. Assim, você, como profissional da saúde, poderá entender qual dispositivo melhor atende às suas necessidades e até que ponto pode confiar nesses dados na prática clínica.

Precisão dos Wearables para Medir a Frequência Cardíaca (FC) 

                Esse é um ponto crucial para quem trabalha com prescrição de exercício clínico. Afinal, a frequência cardíaca (FC) é um dos dados fisiológicos mais utilizados para monitorar a intensidade do exercício, e sua precisão pode ser determinante para a segurança do paciente. Os wearables utilizam basicamente duas tecnologias para medir a FC:

  • Cintas torácicas: que detectam a atividade elétrica do coração (como um mini-ECG).
  • Sensores ópticos: que analisam a onda de pulso arterial por fotopletismografia (PPG), tecnologia presente em smartwatches e oxímetros.

Medição da FC por Fotopletismografia
                  Relógios, oxímetros e anéis que utilizam essa tecnologia funcionam emitindo um feixe de luz verde ou infravermelha que atravessa a pele. O sensor óptico do dispositivo mede a quantidade de luz refletida, que varia conforme o fluxo sanguíneo e as oscilações do pulso arterial. Essa variação gera uma curva da onda de pulso, permitindo que o dispositivo estime a frequência cardíaca (FC) com base nas mudanças rítmicas do fluxo sanguíneo. 


Situações que podem comprometer a precisão da PPG: 

  • Exercícios com membros superiores: Durante contrações musculares intensas, como musculação ou remo, ocorre uma compressão dos vasos sanguíneos, reduzindo a onda de pulso. Isso pode fazer o relógio subestimar a FC real.
  • Arritmias Cardíacas: As extrassístoles ventriculares geram batimentos precoces que, em geral, reduzem o volume sistólico e, consequentemente, a onda de pulso arterial. Dependendo da qualidade do dispositivo, esses pulsos mais fracos podem não ser detectados, levando à subestimação da frequência cardíaca (FC) durante o exercício. Esse problema também ocorre na fibrilação atrial, onde a FC pode estar elevada e irregular, dificultando a detecção precisa da variação do ritmo pelos sensores ópticos. Para pacientes com arritmias, o ideal é priorizar a monitorização com cintas torácicas ou eletrodos de ECG, que oferecem maior precisão na captação do ritmo cardíaco. 
  • Baixa perfusão sanguínea: Em casos de doença arterial periférica, fístulas arteriovenosas, hipotensão ou choque térmico, o fluxo sanguíneo pode estar reduzido, prejudicando a captação do sinal pelo sensor óptico. 
 Dica para escolher um dispositivo mais confiável: Opte por wearables que utilizam luz verde para medir a FC, pois essa cor é mais absorvida pelos vasos sanguíneos e proporciona leituras mais precisas do que sensores que utilizam luz vermelha ou infravermelha.

2. Cintas Torácicas – Monitoramento Eletrocardiográfico 

                  O primeiro monitor cardíaco foi desenvolvido em 1977, na Finlândia, pela empresa Polar, com o objetivo de monitorar a frequência cardíaca (FC) de atletas de esqui cross-country. Diferente dos sensores ópticos, as cintas torácicas captam diretamente a atividade elétrica do coração, funcionando como um ECG vestível. Por não dependerem da onda de pulso arterial, oferecem uma precisão muito maior do que os sensores ópticos encontrados em smartwatches e anéis.

Fatores que influenciam a precisão das cintas: 

  1. Fixação adequada: Para garantir um contato ideal com a pele, a cinta deve estar bem ajustada ao corpo e sem interferência de pelos.
  2. Hidratação dos eletrodos: Molhar a cinta antes do uso melhora a condução elétrica, reduzindo falhas na captação do sinal. 
  3. Taxa de amostragem do sinal: Quanto maior a taxa de aquisição, maior a precisão do monitoramento. Prefira cintas com taxa de amostragem acima de 500 Hz, pois além de registrar a FC batimento a batimento, são capazes de coletar intervalos RR com alta fidelidade, permitindo a análise detalhada da variabilidade da frequência cardíaca (VFC)

                Na minha opinião, a cinta Polar H10 é o melhor equipamento disponível no Brasil para medir a FC e VFC. Além da alta precisão (taxa de captação de 1000Hz), ela pode ser sincronizada com aplicativos específicos, permitindo o monitoramento da FC, intervalos RR e até o traçado eletrocardiográfico em tempo real durante o exercício. Para quem busca dados confiáveis para treino, reabilitação ou análise da VFC, esse é o dispositivo mais recomendado.


 Wearables na Detecção de Arritmias: O Futuro do Rastreamento Cardíaco?

                     Um dos grandes diferenciais dos smartwatches em relação às cintas torácicas é o conforto no uso contínuo e a alta frequência de amostragem dos dados. Em 2019, o Apple Heart Study foi o primeiro grande estudo a avaliar a acurácia dos smartwatches e de seus algoritmos na detecção da fibrilação atrial (FA), a arritmia mais comum entre adultos. Com quase meio milhão de participantes, o estudo mostrou que o Apple Watch teve um valor preditivo positivo (VPP) de 84%, ou seja, em 84% das vezes que o relógio notificou um ritmo irregular, a FA foi confirmada em exames posteriores. Já em 2022, foi a vez do Fitbit Heart Study, que testou a tecnologia de seus dispositivos em mais de 450 mil pessoas e apresentou um VPP ainda mais alto, de 98%. Ou seja, para pessoas com risco de FA, os wearables podem ser uma ferramenta útil para detecção precoce, ajudando a identificar uma possível arritmia antes que ela evolua para complicações mais graves.


Wearables e Sono: Dá Para Confiar Nos Dados? 

                    A avaliação do sono é um dos recursos mais impressionantes que os wearables oferecem, mas também pode gerar confusão para o seu paciente. Quando vi, pela primeira vez, meu relógio informando quanto tempo dormi, quantas horas passei em sono REM e quanto tempo fiquei em sono profundo, fiquei impressionado. Mas será que esses dados são realmente confiáveis? A resposta é: sim e não. 

                  Onde os wearables acertam mais? No tempo total de sono. Estudos que compararam smartwatches e anéis inteligentes com a polissonografia mostraram que a taxa de acerto para tempo total dormido gira em torno de 92%, um número bastante confiável. 

                  Onde eles erram? Na identificação das fases do sono. A precisão na distinção entre sono leve, profundo e REM cai para 50% a 65%, o que significa que os dispositivos ainda não são totalmente confiáveis para essa análise. 

                   Isso significa que esses dispositivos não devem ser usados para diagnóstico clínico de disfunção do sono, mas podem ser ferramentas úteis para avaliar respostas a mudanças no estilo de vida, como a introdução de exercícios físicos ou o uso de terapia pressórica para apneia do sono. Como o wearable sempre compara os dados com seus próprios registros anteriores, ele pode ser uma ferramenta acessível para acompanhar tendências — Dessa forma, para pessoas com risco de FA, os wearables podem ser aliados valiosos na detecção precoce, ajudando a identificar arritmias antes que evoluam para complicações mais graves como AVC e outros eventos cardioembólicos. 


Quando os dados do relógio devem chamar sua atenção? 

                    Embora os wearables não substituam exames clínicos, alguns dados que eles fornecem podem servir como alertas importantes. Se o seu relógio ou anel inteligente identificar algum desses padrões, vale a pena investigar mais a fundo: 

  • Episódios de taquicardia durante o sono– A presença de aumentos frequentes e inexplicáveis da frequência cardíaca (FC) enquanto dorme pode ser um sinal de apneia do sono, distúrbios autonômicos ou estresse excessivo. Se a FC se mantém elevada durante a noite, é importante considerar uma avaliação médica. 
  • Despertar noturno frequente e baixa eficiência do sono– Se o dispositivo indica múltiplos despertares e um tempo total de sono reduzido, pode ser um indício de problemas como insônia, impacto do estresse na qualidade do sono ou até distúrbios respiratórios do sono. Se esses padrões forem recorrentes, vale explorar estratégias para melhorar a higiene do sono.
  • Baixa Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC)– A VFC muito baixa durante a noite pode indicar um estado de estresse elevado, fadiga acumulada ou até impacto de condições cardiovasculares. Uma queda consistente na VFC ao longo dos dias pode sugerir sobrecarga no sistema nervoso autônomo, tornando importante avaliar fatores como recuperação e hábitos de vida.

Conclusão

                Os wearables chegaram para ficar e podem ser grandes aliados no monitoramento da saúde. No entanto, saber interpretar os dados corretamente é essencial para usá-los de forma inteligente na prática clínica. Como vimos, esses dispositivos são ótimos para acompanhar tendências, mas ainda apresentam limitações para diagnóstico. Penso que todo profissional de saúde deve estar atento às novas tecnologias e usá-las como ferramentas para melhorar os resultados e aumentar a adesão dos pacientes. Afinal, a tecnologia não substitui o profissional, mas pode potencializar sua atuação!

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Até a próxima,

Chico

Referências

1. Perez MV, Mahaffey KW, Hedlin H, Rumsfeld JS, Garcia A, Ferris T, et al. Large-scale assessment of a smartwatch to identify atrial fibrillation. N Engl J Med. 2019;381(20):1909-17.

2. Lubitz SA, Faranesh AZ, Selvaggi C, Atlas SJ, McManus  DD, Singer DE, et al. Detection of atrial fibrillation in a large population using wearable devices: The Fitbit Heart Study. Circulation. 2022;145(2):166-74.

3. Thompson WR, Kress KL, De La Rosa AB, Caldwell AR. Variable accuracy of wearable heart rate monitors during aerobic exercise. J Sports Sci. 2020;38(11-12):1300-10.

4. Chinoy ED, Cuellar JA, Huwa KE, Jameson JT, Watson CH, Bessman SC, et al. Performance of wearable sleep-tracking technology compared with polysomnography. Sleep. 2021;44(5):zsaa291.

5. Kolla BP, Mansukhani MP, Mansukhani S. Consumer sleep tracking devices: A review of mechanisms, validity and utility. Expert Rev Med Devices. 2016;13(5):497-506.

6. de Zambotti M, Goldstone A, Claudatos S, Colrain IM, Baker FC. A validation study of Fitbit Charge 2™ compared with polysomnography in adults. Nat Sci Sleep. 2018;10:853-9.