Newsletter #13: Homens e mulheres devem treinar os músculos respiratórios da mesma forma?
A busca pelo limiar anaeróbio dos músculos respiratórios: como tudo começou
Em 2014, meu amigo e orientador, Dr. Jefferson Petto, me encorajou a estudar o comportamento do sistema respiratório durante um teste incremental para tentar identificar o limiar anaeróbio dos músculos respiratórios. Passei bons anos mergulhado nesse tema, entre o final de 2013 e 2016, quando finalmente apresentei minha dissertação.
A grande pergunta que nos inquietava era: será que os músculos respiratórios possuem um limiar anaeróbio diferente dos músculos esqueléticos? Por serem altamente oxidativos, será que sua bioenergética funcionava de forma diferente? Como todo mundo que começa o mestrado, eu tinha aquela sensação boa de estar descobrindo algo muito inovador. E, na verdade, até hoje ainda há muito pouco publicado sobre esse assunto.
Na época, já estudávamos e aplicávamos o teste do limiar glicêmico em protocolos incrementais na esteira com objetivo de prescrever exercício aeróbio de forma mais individualizada já que não tínhamos teste cardiopulmonar em mão. Esse método, já era bastante estudado por fisiologistas da Universidade São Carlos, e resumindo bem a coisa, ele permite estimar o primeiro limiar anaeróbio a partir do comportamento da glicose num teste de carga progressiva. O limiar é identificado através do valor mais baixo da glicose durante o teste – algo muito mais acessível e prático que a fazer uma curva de lactato, que em comparação com a glicose necessita de um sensor muito mais caro, fitas muito mais caras e mais sangue para leitura.
Com base nos conhecimentos que já estavam descritos sobre limiar glicêmico em exercícios aeróbicos e resistivos, adaptamos o protocolo para avaliar a resistência dos músculos respiratórios, através do K5 e do Sindex, medindo glicose capilar ao final de cada estágio do teste incremental. Um dia podemos escrever uma newsletter só sobre isso, mas o objetivo dessa será outro. Na centralflix eu ensino esse e outros protocolos para avaliar endurance dos músculos ventilatórios.
O que descobrimos?
Os músculos respiratórios, ao contrário do que imaginávamos, apresentaram um comportamento semelhante ao de outros músculos esqueléticos em testes de limiar glicêmico já realizados no leg press e no supino. Mas o achado que mais tínhamos mais dificuldade de explicar era outro: as mulheres atingiam o limiar glicêmico mais cedo (em valores percentuais e absolutos) que os homens e chegavam à exaustão em um percentual menor do máximo. Ou seja, além de terem menor resistência máxima (cansavam antes), também ativavam o metabolismo anaeróbio em intensidades mais baixas.
Essa diferença foi muito inesperada e nos intrigou bastante. Mostramos esses resultados para vários colegas experientes, apresentamos esses resultados em congressos e ninguém explicava bem esse achado. Sabíamos que as mulheres, em média, têm menor força máxima, o que pode ser explicado por fatores como menor massa muscular e diferenças hormonais – algo que, inclusive, já está embutido nas equações da PImáx. Mas estávamos diante de um fenômeno metabólico: por que as mulheres ativavam fibras do tipo II antes que os homens? O que explicava essa menor tolerância no teste incremental?
A peça que faltava: Disanapse
Com a defesa já marcada e sem uma explicação definitiva para nosso achado, recebi um artigo em um grupo de fisioterapeutas durante um plantão. Sem saber, aquele colega salvou minha discussão. Ao ler o artigo tive dois sentimentos imediatos: um bom e outro ruim. A boa notícia era que nosso achado estava certo, e agora tínhamos uma explicação bem fundamentada para fenômeno. A ruim: não fomos os primeiros a descobrir isso. Aliás, aquele achado já era velho e eu (e meu orientador) nunca tínhamos ouvido falar sobre ele antes.
A resposta estava em um conceito chamado disanapse – ou dysanapsis, em inglês – e nas diferenças sexuais do sistema respiratório. Na próxima parte, vamos explorar o que isso significa e como essa diferença impacta a função dos músculos respiratórios, especialmente durante o exercício. Será que não deveríamos considerar esse fenômeno na hora de prescrever um treinamento muscular inspiratório (TMI)?
Afinal, o que é disanapse?
O termo disanapse foi introduzido por Green et al. (1974) para descrever uma discrepância no crescimento entre os pulmões e as vias aéreas. Isso significa que, em algumas condições (como o sexo e doenças respiratórias crônicas), ocorre uma desproporção no desenvolvimento da árvore brônquica em relação ao tamanho do pulmão.
Nos anos 1980, o pesquisador Jere Mead aprofundou esse conceito ao demonstrar que o diâmetro das vias aéreas não cresce na mesma proporção que o volume pulmonar. Ou seja, pessoas com pulmões grandes nem sempre possuem vias aéreas mais calibrosas. Na prática, isso significa que indivíduos com maior capacidade vital podem, paradoxalmente, ter uma maior resistência ao fluxo aéreo, pois suas vias são relativamente menores do que o esperado para o tamanho dos pulmões .
Além de condições patológicas como asma e DPOC, dois fatores bem estabelecidos podem influenciar a disanapse:
1️⃣ O nascimento prematuro (especialmente abaixo de 32 semanas). - Vale a pena uma conversa longa sobre esse tema
2️⃣ As diferenças entre os sexos (que serão o foco desta edição da newsletter).
Estudos mostram que as mulheres possuem vias aéreas proporcionalmente menores que os homens, mesmo quando ajustadas para o volume pulmonar. Para se ter uma ideia da magnitude dessa diferença, considerando um homem e uma mulher com pulmões de mesmo tamanho:
✅ A traqueia das mulheres é, em média, 19% menor.
✅ Os brônquios intermediários são 23% menores.
✅ Nos brônquios mais distais, essa redução pode chegar a 30%.

Repercussões das diferenças anatômicas na função dos músculos respiratórios
Essas diferenças anatômicas e funcionais entre os sexos impactam diretamente diversos aspectos do funcionamento dos músculos respiratórios. Aqui estão os principais pontos:
✅ Maior resistência ao fluxo aéreo80% da carga resistiva das vias aéreas é gerada nas primeiras gerações de brônquios (as vias aéreas maiores), e as mulheres apresentam uma redução significativa nessa região. Isso aumenta consideravelmente o consumo de O₂para uma mesma ventilação, quando comparadas aos homens.
✅ Maior gasto metabólico durante o exercícioQuanto maior a ventilação, maior a diferença no gasto energético entre os sexos. Em uma ventilação de 90 L/min, os músculos respiratórios das mulheres consomem o dobro de oxigênio em comparação aos dos homens. Ou seja, o peso que as mulheres carregam ao respirar durante o exercício é muito maior que o dos homens. Não deveria ser assim, né?
✅ Desvantagem biomecânica do diafragmaDevido à limitação do fluxo expiratório, as mulheres tendem a evitar a expiração máxima, resultando em um menor volume expirado e um aumento da frequência respiratória (FR) como compensação. Isso leva a um maior volume de reserva expiratório (tipo uma hiperinsuflação dinâmica) em comparação aos homens. Esse padrão ventilatório reduz a relação tensão-comprimento do diafragma, impedindo seu alongamento completo. Como consequência, o diafragma perde eficiência na inspiração.
Qual efeito disso na prática ?
De acordo com meus resultados, observamos que enquantos os homens apresentavam sua exastão entre 70 a 80% da sua Sindex as mulheres toleravam cerca de 60 a no máximo 70%. Já os limiar glicêmico das mulheres ocorria a cerca de 30% da Sindex nos homens ocorria em torno de 40%. FIzemos estes testes em mais de 100 pessoas saudáveis inicialmente, depois outros colegas estudaram isso em pacientes, mas ainda me pergunto se não deveríamos levar esse achado em consideração ao prescrever um TMI para mulher e para homens.
Se consideramos que o limiar define uma carga ótima para ganho da resistência de força de qualquer músculo não deveríamos levar isso em consideraçào na hora de determinar uma carga para TMI. Na minha opinião, sim, deveríamos. Entretanto não há mais estudos sobre o assunto e pouco se leva em contas as diferenças entre os sexos quando falamos de músculos respiratórios.
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📌 O que você vai encontrar?
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✅ Teste de endurance dos músculos respiratórios – como aplicar e interpretar testes de carga constante e incrementais.
✅ Prescrição do TMI na prática – estratégias para desmame e para reabilitação cardiorrespiratória.
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Até a próxima e se quiser pode comentar aqui em baixo.
Chico