Newsletter #10: Novo artigo refina Um olhar mais ampliado para obesidade
Eis Que a Lancet Desatualiza Minha Aula em Uma Semana
Antes de começar a escrever a newsletter, eu criei uma lista no Evernote com vários temas e, normalmente, na segunda-feira vou escrevendo conforme a sequência e inspiração. Na minha lista, falaria sobre obesidade sob o prisma de uma aula que temos na CentralFlix em que abordei a síndrome metabólica, mas, nesta semana, a Lancet, como num passe de mágica, desatualizou minha aula. Se você não sabe do que estou falando, é porque não acompanhou o Instagram dos médicos e produtores de conteúdo nesta semana.
O artigo "Definition and Diagnostic Criteria of Clinical Obesity" foi publicado recentemente na The Lancet Diabetes & Endocrinology e propõe uma nova abordagem para a definição e o diagnóstico da obesidade. O estudo, conduzido por uma comissão de especialistas, não só estabelece novos parâmetros para o diagnóstico da obesidade, mas também introduz novos conceitos como a obesidade pré-clínica e obesidade clínica, que vamos especificar ao longo deste texto. Essa nova abordagem tem implicações diretas para a prática clínica, influenciando tanto a triagem quanto o tratamento da obesidade. O estudo completo pode ser acessado pelo DOI: https://doi.org/10.1016/S2213-8587(24)00316-4.
Como a obesidade era diagnosticada até 2024
A OMS define obesidade como: "acúmulo anormal ou excessivo de gordura que apresenta um risco à saúde". Entretanto, essa classificação não descreve adequadamente essa condição e se torna ainda mais problemática quando consideramos que o diagnóstico de obesidade era baseado exclusivamente no IMC, sendo definido como ≥ 30 kg/m² em ocidentais e ≥ 27,5 kg/m² em asiáticos. O grande problema dessa classificação é que uma pessoa muito musculosa, com pouco acúmulo de gordura, poderia ser enquadrada como obesa, enquanto uma pessoa com baixo peso, mas com excesso de gordura corporal, poderia ser excluída do diagnóstico. Dessa forma, o IMC superdiagnosticava pessoas ativas e subdiagnosticava indivíduos com baixa massa muscular.
Outra questão bastante problemática, sobre a qual o artigo dedica boas páginas para explicar e tentar resolver, é se a obesidade é ou não uma doença. Apesar de a obesidade já possuir um CID há vários anos, não havia (ou ainda não há) consenso entre os especialistas quanto à classificação de todo paciente obeso como doente. Primeiramente, devido ao problema de o diagnóstico estar vinculado a uma medida pouco acurada; e, em segundo lugar, porque existem muitos fenótipos de obesidade e outras variáveis, como a aptidão aeróbia, que podem tornar a pessoa mais ou menos "saudável". Vale a pena ler esse trecho do artigo, pois ele traz um resumo sobre o conceito de doença e explica como os autores chegaram a um consenso.
Obesidade Redefinida: Novos Critérios e Abordagens Diagnósticas
O conceito geral da obesidade não mudou muito. Agora, ela é definida da seguinte forma: "A obesidade é caracterizada por adiposidade excessiva, com ou sem distribuição ou função anormal do tecido adiposo". A principal mudança veio no desmembramento da obesidade e na sua forma de diagnóstico. Diagnóstico: Com essa nova abordagem, o IMC deixa de ser um critério diagnóstico e passa a ser apenas uma ferramenta de triagem. Para o diagnóstico, são sugeridas medidas de composição corporal, como:
- Circunferência da cintura: ≥102 cm para homens; ≥88 cm para mulheres.
- Relação cintura-quadril: > 0,90 para homens; > 0,85 para mulheres.
- Relação cintura-altura: > 0,5 para todos.
- Pessoas com IMC acima de 40 são automaticamente classificadas como obesas, sem necessidade dessas medidas adicionais.
Diferenciando Obesidade Clínica e Obesidade Pré-Clínica
A obesidade clínica é uma doença crônica que compromete a função de vários órgãos e sistemas, resultando em alterações sistêmicas graves. O diagnóstico deve ir além das medidas de composição corporal e considerar os impactos funcionais da adiposidade excessiva nos seguintes sistemas:
- Sistema Nervoso Central: Perda de visão, cefaleias recorrentes ou ambos, devido ao aumento da pressão intracraniana.
- Vias Aéreas Superiores: Apneia ou hipopneia do sono, causadas pelo aumento da resistência das vias aéreas superiores.
- Sistema Respiratório: Hipoventilação, falta de ar e chiado no peito, devido à redução da complacência pulmonar e diafragmática.
- Sistema Cardiovascular: Insuficiência cardíaca, fadiga crônica, edema em membros inferiores, fibrilação atrial, hipertensão pulmonar, trombose venosa profunda e hipertensão arterial sistêmica.
- Metabolismo: Síndrome metabólica caracterizada por hiperglicemia, hipertrigliceridemia e baixos níveis de HDL-colesterol.
- Fígado: Doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica, com presença de fibrose.
- Sistema Renal: Microalbuminúria e redução da taxa de filtração glomerular.
- Sistema Reprodutivo:
- Mulheres: Anovulação, oligomenorreia e síndrome do ovário policístico.
- Homens: Hipogonadismo masculino.
- Sistema Urinário: Incontinência urinária crônica ou recorrente.
- Sistema Musculoesquelético: Dor crônica e severa nos joelhos ou quadris, associada à rigidez articular e redução da amplitude de movimento.
- Sistema Linfático: Linfedema em membros inferiores, causando dor crônica e limitação do movimento.
- Limitações nas Atividades Diárias: Redução substancial da funcionalidade e da capacidade para atividades diárias, ajustadas à idade.
E a Obesidade Pré-Clínica?
A obesidade pré-clínica é caracterizada pelo excesso de adiposidade sem evidências de comprometimento funcional mensurável nos órgãos e tecidos. Embora esses indivíduos ainda não apresentem doenças relacionadas à obesidade, eles estão em maior risco de desenvolver complicações metabólicas, cardiovasculares e musculoesqueléticas ao longo do tempo.
O diagnóstico da obesidade pré-clínica leva em conta medidas de composição corporal, como circunferência da cintura e relação cintura-altura, mas sem sinais clínicos claros de disfunção orgânica. Isso reforça a necessidade de acompanhamento regular e intervenções preventivas para evitar a progressão para obesidade clínica.
E o termo sobrepeso?
Na nova abordagem proposta pelo artigo, o termo "sobrepeso" não é mais uma categoria diagnóstica central. Antes, ele era definido apenas pelo IMC (entre 25 e 29,9 kg/m²), mas agora, a obesidade é classificada com base no impacto funcional do excesso de gordura, e não apenas na quantidade. Dessa forma, indivíduos que anteriormente seriam classificados como "com sobrepeso" podem ser enquadrados em diferentes categorias:
- Se houver excesso de gordura corporal sem disfunção orgânica mensurável, o indivíduo pode ser classificado como tendo obesidade pré-clínica.
- Se houver sinais de comprometimento da função dos órgãos e tecidos, mesmo sem um IMC superior a 30, o diagnóstico pode ser de obesidade clínica.
Isso significa que o diagnóstico agora considera a funcionalidade do organismo e os impactos sistêmicos do acúmulo de gordura, tornando a avaliação mais precisa e personalizada.
Conclusão
A nova abordagem sobre a obesidade redefine completamente o diagnóstico, focando na funcionalidade do organismoe nos impactos reais do excesso de gordura. Esse conhecimento empodera os profissionais da reabilitação e pode gerar uma maior demanda nesse nicho de mercado.
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Abraços,
Por Chico