Newsletter #1: Diástole, Sístole e a Importância do Equilíbrio
Você que está recebendo este e-mail certamente já ouviu falar dessas duas propriedades cardíacas: inotropismo e lusitropismo. Essas propriedades estão relacionadas à capacidade de contração e relaxamento do coração, respectivamente. Quando me formei, em 2008, e antes de conhecer mais profundamente a fisiologia humana e do exercício, eu pensava que o relaxamento era simplesmente a ausência de contração, um movimento passivo. Mas não é bem assim. Como eu podia desconhecer algo tão importante e belo da nossa fisiologia?
Outro fator que desconhecia era a relação entre a função diastólica e a capacidade funcional. Eu acreditava que o principal determinante de uma boa capacidade funcional era a fração de ejeção, mas estava enganado. Descobri isso em 2013, enquanto escrevia a discussão de um estudo realizado com pacientes chagásicos. No grupo que desenvolveu o fenótipo cardíaco, a fração de ejeção era menor, mas o VO2 se manteve semelhante ao de outros grupos. Ao buscar explicações, encontrei estudos de outros autores que já haviam demonstrado que a função do ventrículo direito e as variáveis diastólicas correlacionam-se mais com a capacidade funcional do que a função sistólica. Uma das explicações é que uma diástole ineficiente prejudica o enchimento ventricular durante o exercício, quando o tempo diastólico está naturalmente reduzido. Vou deixar o artigo publicado sobre esse estudo aqui como anexo, para quem quiser se aprofundar.
A diástole começa com o fechamento da válvula aórtica, e sua primeira fase é chamada de relaxamento isovolumétrico. Essa fase é ativa e requer um grande gasto energético para “sequestrar” o cálcio de volta para o retículo sarcoplasmático (o termo “sequestro” é proposital, já que o cálcio não retorna sozinho para o retículo). Nesta fase, a pressão intraventricular é reduzida de forma abrupta, podendo cair para valores abaixo de zero – você sabia que a pressão diastólica do ventrículo é próxima a zero? Chamamos essa pressão de Pd1. Somente após a abertura da válvula mitral inicia-se a fase de enchimento rápido, onde mais de 50% do volume diastólico final entra rapidamente nos ventrículos. À medida que o ventrículo vai se enchendo, o sangue se acomoda com pouca elevação da pressão interna, o que significa que um ventrículo normal é complacente e aceita bem o volume que chega. A pressão aumenta um pouco com a contração atrial, que contribui com cerca de 25% do volume diastólico final, gerando a Pd2, conforme ilustrado na figura abaixo.

Essa figura (1) mostra a redução da pressão intraventricular durante o relaxamento isovolumétrico e o aumento discreto durante a fase de enchimento. No gráfico inferior, podemos observar o fluxo de sangue durante o enchimento rápido (onda E) e na sístole atrial (onda A). A relação entre essas ondas é usada para o diagnóstico de disfunção diastólica no ecocardiograma, e o valor normal dessa relação deve ser maior que 1.
Para uma sístole adequada, o coração precisa estar plenamente cheio; quanto maior o volume de sangue ao final da diástole, maior será o volume sistólico, e esse fenômeno é conhecido como o mecanismo de Frank-Starling. Assim, quanto melhor o relaxamento, melhor a contração.
Desse modo, o coração nos mostra, de maneira silenciosa, que o equilíbrio entre o esforço e o descanso é o segredo para mantermos uma vida saudável e plena. Relaxar é tão importante quanto trabalhar. Ao respeitarmos esse ciclo natural, ganhamos força e clareza em nossas ações. Você tem equilibrado bem o lusitropismo e inotropismo na sua vida ?
Se você quer entender mais sobre esses conceitos e aplicá-los no dia a dia clínico, confira nossa aula completa sobre o mecanismo de Frank-Starling na CentralFlix.
Abraços
Chico
Referências:
1- Dinâmica cardiovascular: do miócito a maratona