Newsletter #3: Como a Música Modula Sua Frequência Cardíaca e Emoções

18/11/2024


A música e o coração: harmonia entre emoção e saúde

Certamente você já foi transportado para outro lugar ao ouvir uma boa música, seja pela lembrança de momentos especiais, pela sensação de relaxamento ou até pela energia contagiante de uma melodia. A música tem esse poder único de entrar pelos ouvidos e tocar o coração – literalmente.

Na newsletter de hoje, vamos abordar sobre a relação da música com a frequência cardíaca (FC) e a variabilidade da FC (VFC). Muitos anos atrás, quando comecei a estudar a VFC, fiquei profundamente interessado por esse tema e li um artigo excelente, publicado na ESC em 2015 (1). A quantidade de artigos sobre o assunto é vasta e fascinante, como seguir o coelho de Alice: você entra em um buraco do qual não consegue mais sair. Recentemente, enquanto atendia uma paciente muito querida, ela me mostrou um vídeo no YouTube (clique aqui). Fiquei hipnotizado, primeiro pelas imagens dos Lençóis Maranhenses e, depois, pela música. Em mim, a música desta banda (RY X) melhorou a minha capacidade de concentração e bem-estar. 

O impacto da música na FC e VFC

A música modula a FC e a VFC de forma direta e significativa. Músicas com ritmos mais lentos, por exemplo, estimulam o sistema nervoso parassimpático, reduzindo a FC e promovendo relaxamento. Já ritmos rápidos ou intensos aumentam a FC, ativando o sistema simpático. Além disso, a VFC, um indicador crucial da saúde autonômica, pode ser amplificada com músicas relaxantes, como mantras ou melodias meditativas, enquanto estilos mais intensos, como o heavy metal, tendem a reduzi-la.

Outro fenômeno fascinante é o “entrainment”, em que os ritmos biológicos, como a FC, sincronizam-se ao ritmo musical. Esse efeito tem sido usado em práticas terapêuticas para promover relaxamento e melhorar a recuperação cardiovascular. A música, portanto, é mais do que entretenimento; ela é uma aliada poderosa na saúde.
Entre musicoterapeutas e profissionais holísticos, existe uma teoria de que a frequência da música pode influenciar como ela impacta as variáveis cardiovasculares. Um exemplo frequentemente citado é a frequência de 432 Hz, que seria ideal para promover relaxamento. No entanto, faltam evidências científicas robustas para sustentar essa ideia, e até o momento, não foram encontradas referências confiáveis que validem essa teoria.

No mesmo estudo que foi publicado na ESC, foi descrito o efeito agudo de diferentes estilos musicais e revelou que, independentemente do estilo, a maioria provoca respostas similares. O estudo observou um leve aumento na frequência cardíaca (FC) e uma redução em parâmetros de variabilidade, como o SDNN. Curioso com esses achados, decidi testar em mim mesmo. Na imagem abaixo (Imagem 1), é possível observar meus dados de FC e variabilidade enquanto estava deitado. No momento do registro, havia tomado café há poucos minutos e realizado uma corrida de 10 km em intensidade vigorosa mais cedo.



Nesta imagem podemos observar nas variáveis do domínio do tempo uma FC 69, com bons níveis de SDNN e RMSSD para minha idade. Na análise no domínio da frequência é possível observar que a relação LF/HF está em 2,98, o que mostra que apesar de ter uma boa função vagal, há um predomínio simpático no momento da análise. Na figura inferior, eu escutei quase 6 minutos de música nessa frequência de 432Hz e coletei os intervalos RR enquanto ouvia. Veja a diferença abaixo: 



Observa-se que a FC aumentou em 1 bpm, entretanto teve uma queda significativa do SDNN e RMSSD e a relação LF/HF quase dobrou. Ou seja, acho que em mim essa frequência não bate onda. A coleta dos intervalos RR foi utilizando a cinta da polar H10 e a análise no Kuios HRV. Na centralflix ensinamos a fazer análise da VFC em diversos cenários. 

Frissons e o coração emocional

A atividade cardíaca regional é modulada pela atividade dos neurônios dentro do plexo nervoso cardíaco, que são influenciados por emoções e traços afetivos por meio de várias vias: (i) A atividade autonômica é transmitida para o plexo nervoso cardíaco por fibras nervosas parassimpáticas e simpáticas.
Você já sentiu aquele arrepio intenso ao ouvir uma música emocionante? Esse fenômeno, conhecido como “aesthetic chills” ou “frissons”, vai além de uma simples reação emocional. Um estudo fascinante publicado no PLOS ONEinvestigou como esses momentos de pico emocional, frequentemente acompanhados por piloereção (arrepios), afetam a atividade cardíaca. Durante o experimento, músicas e cenas de filmes escolhidas pelos próprios participantes foram usadas para evocar essas emoções intensas. Os resultados mostraram um aumento significativo na frequência cardíaca (FC) e em um índice de assinatura emocional do eletrocardiograma (EK) durante os momentos de “chills”. Esse aumento foi observado principalmente quando os arrepios estavam presentes, sugerindo uma forte correlação entre a resposta autonômica e essas experiências emocionais.(2)

Além disso, o estudo sugere que essas respostas não são apenas reflexos do sistema nervoso simpático, mas também envolvem a modulação de estruturas cerebrais como a amígdala e o córtex orbitofrontal, responsáveis por processar emoções. Essa interação destaca o potencial terapêutico de experiências estéticas intensas no manejo de condições como depressão, onde a capacidade de sentir emoções positivas pode estar comprometida.

O impacto da música no pós-operatório de cirurgia cardíaca

Uma metanálise (3) recente investigou os efeitos terapêuticos da música no pós-operatório de cirurgias cardíacas, revelando benefícios significativos para os pacientes. A música demonstrou ser eficaz na redução da dor, da ansiedade e da pressão arterial, além de melhorar a frequência cardíaca e a variabilidade da frequência cardíaca (VFC). Esses efeitos positivos estão relacionados à capacidade da música de modular o sistema nervoso autônomo, promovendo maior ativação parassimpática e, consequentemente, relaxamento e recuperação mais rápidos.

Além disso, o estudo destacou que o uso de música personalizada, adaptada às preferências dos pacientes, potencializa ainda mais os benefícios terapêuticos. As intervenções musicais, muitas vezes realizadas durante a fisioterapia ou períodos de descanso, proporcionam um ambiente mais confortável e humanizado, essencial para a recuperação. Esses achados reforçam a importância de integrar a música como uma ferramenta não farmacológica e acessível no cuidado pós-operatório, contribuindo para a qualidade de vida dos pacientes.



Playlists da Central da Reabilitação

Inspirados nesses estudos, criamos playlists que podem ser usadas tanto para relaxar quanto para estimular pacientes durante a reabilitação:

• Playlist do Chico: MPB, samba e axé para momentos de descontração e boas energias: ESCUTE AQUI 

• Playlist do Giu: Rock clássico para os amantes de algo mais intenso: ESCUTE AQUI

• Playlist da clínica: Clássicos nacionais para energizar pacientes e a equipe: ESCUTE AQUI



Referências:
1- doi:10.1093/eurheartj/ehv430
2-Koelsch S, Remppis A, Sammler D, Jentschke S, Mietchen D, Fritz T, Bonnemeier H,
Siebel WA. A cardiac signature of emotionality. Eur J Neurosci 2007;26:3328–3338.