Newsletter#14 - Custo de Energia e Economia de Corrida: O que Diferencia Atletas de Elite dos Nossos Pacientes
Quanto de energia gastamos ao caminhar ?
O corpo humano é uma máquina perfeita. Quem estuda minimamente fisiologia percebe isso rapidamente. Ao analisar o funcionamento do nosso metabolismo, essa impressão se intensifica. Antes de estudar fisiologia do exercício, eu acreditava que a prática de atividade física consumia muito mais calorias do que realmente gasta. Foi só ao aprofundar meus estudos que compreendi por que a obesidade é tão prevalente. O corpo humano saudável é incrivelmente eficiente no uso da energia, enquanto a oferta calórica, especialmente por meio de alimentos ultraprocessados, é abundante.
Para ilustrar o quão eficientes somos, considere este exemplo: para cada litro de O₂ que oxidamos, consumimos apenas 5 kcal. Assim, um indivíduo de 70 kg, com um VO₂ máximo de 20 ml/kg/min, ao se exercitar por 30 minutos a 60% da sua capacidade, consumirá aproximadamente 25 litros de O₂ (12 ml x 70 kg x 30 min). Multiplicando esse valor por 5, obtemos um gasto energético de 126 kcal—menos do que uma longneck de Corona.
Fica fácil entender por que engordamos ao longo dos anos. Mas será que todos gastam a mesma quantidade de oxigênio ao caminhar ou realizar um mesmo exercício? Nesta edição, vamos discutir o conceito de economia de movimento, entender por que os fisiologistas do esporte e da reabilitação valorizam tanto essa variável e como podemos aplicá-la na nossa prática diária para otimizar os resultados dos nossos pacientes.
Economia de Corrida: o segredo dos atletas para ganhar maratonas
Um conceito amplamente valorizado no atletismo, mas subexplorado na reabilitação cardiorrespiratória, é a economia de corrida ou economia de movimento. Em artigos de reabilitação, o termo mais comum é custo de oxigênio da caminhada. A diferença na nomenclatura (economia vs. custo) já nos dá um indício do que vamos discutir.
Na corrida, essa variável é avaliada medindo-se o consumo de O₂ enquanto o atleta mantém uma velocidade fixa, geralmente 16 km/h. Quanto maior o consumo de O₂ para essa velocidade, menos econômico é o atleta. Em alto rendimento, essa é a principal variável que diferencia vencedores de competidores comuns, pois os valores de VO₂ máximo tendem a ser muito próximos entre os atletas de elite.
Inicialmente, eu achava essa ênfase na economia do movimento exagerada. No entanto, minha percepção mudou completamente quando comecei a correr e, principalmente, ao ler um dos melhores artigos sobre desempenho físico em atletas de alto rendimento. Publicado por Andrew Jones em 2006 no International Journal of Sports Science & Coaching, o estudo relata a experiência do autor acompanhando uma das maiores maratonistas da história, a britânica Paula Radcliffe.

Neste artigo (disponível no final do texto), Jones detalha como as variáveis fisiológicas de Paula evoluíram ao longo de 10 anos de treinamento. Ele iniciou sua análise em 1992, quando a atleta tinha apenas 18 anos, e a acompanhou até 2003, ano em que ela atingiu seu auge ao estabelecer o recorde mundial feminino da maratona, completando os 42 km em 2h15min—a marca só foi superada 16 anos depois, em 2019, pela queniana Brigid Kosgei.
Nos gráficos abaixo, fica evidente que, aos 18 anos, Paula já possuía um VO₂ máximo impressionante de 70 ml/kg/min. Após uma década de treinamento intenso, esse valor aumentou apenas 5 ml/kg/min, atingindo 75 ml/kg/min em 2001. No entanto, ao analisarmos a economia de corrida, o custo de O₂ para manter 16 km/h caiu significativamente, de mais de 200 ml/kg/km em 1992 para pouco mais de 170 ml/kg/km em 2003. Ou seja, ogrande diferencial no desempenho de Paula Radcliffe não foi a capacidade aeróbica máxima, mas sim a melhora na eficiência do movimento. Com a redução do custo energético, sua velocidade máxima para atingir os 70 ml de VO₂ passou de 16 km/h para 20 km/h.

E Nos Nossos Pacientes?
Depois de ler esse artigo, fui pesquisar se existiam estudos sobre o tema em pacientes cardiopatas. Como já suspeitava, encontrei diversos artigos que abordam essa questão. Frequento tantos eventos e me pergunto por que esses temas inovadores não são discutidos com mais frequência em nossos congressos. Acho que precisamos falar mais desses assuntos menos óbvios.
Pesquisas indicam que pacientes com doenças cardiovasculares não apenas apresentam menor VO₂ máximo, mas também gastam mais oxigênio para caminhar do que indivíduos saudáveis. Isso se deve a diversos fatores biomecânicos, como menor extensão do quadril, maior tempo de apoio (stance time) e maior variabilidade na largura do passo, que tornam a locomoção menos eficiente e aumentam o custo metabólico da caminhada. Em um dos estudos mais relevantes sobre o tema, observou-se que pacientes em programas de reabilitação chegam a gastar 30% a mais de oxigênio para caminhar do que pessoas sem comprometimento cardiorrespiratório.
Você já se deparou com aquele paciente que melhora no teste de caminhada e relata se sentir bem melhor, mas que, ao repetir o teste cardiopulmonar, não demonstra grandes avanços no VO₂ máximo? Muitas vezes, isso ocorre porque ele não aumentou sua capacidade máxima, mas sim reduziu o custo de oxigênio para esforços submáximos. Para o paciente, o efeito prático é o mesmo: ele se sente mais forte e mais disposto!
Por que nossos pacientes são menos econômicos?
Pacientes em programas de reabilitação cardiovascular consomem 30% mais oxigênio para caminhar em comparação com indivíduos saudáveis. Segundo Ciprandi et al. (2018), fatores como menor força muscular, redução da flexibilidade e menor capacidade cardiorrespiratória contribuem para uma marcha menos eficiente e um maior custo metabólico. Ao serem mais fracos e apresentarem menor estabilidade, gastam mais energia para manter o controle postural, além de serem mais lentos.
Depois de descobrir que nossos pacientes são menos econômicos, busquei entender o que os torna mais custosos. Dos estudos que encontrei, o de Wert et al. (2010) foi o que trouxe a melhor explicação, e isso mudou muito a minha forma de reabilitar meus pacientes mais idosos. Quando desconfiar que seu paciente consome mais O₂ do que o normal?
- Pacientes mais descondicionados normalmente possuem alto gasto energético durante a marcha.
- Pacientes com baixa força de preensão palmar.
- Pacientes com baixa velocidade da marcha.
O que você deve observar na marcha do seu paciente para suspeitar de alto consumo de oxigênio?
- Maior tempo de contato ao solo (aquele paciente que fica muito tempo com o pé no chão).
- Pouca extensão de quadril (este foi o principal fator para alto consumo).
- Flexão do tronco (aqueles pacientes que andam curvados).
- Baixa velocidade da marcha e maior cadência, o que aumenta o custo (aqueles idosos com passos curtos e lentos gastam muita energia).
- Passos largos e lentos também aumentam o consumo de energia.
O que podemos fazer para tornar nossos pacientes mais econômicos ?
Agora que entendemos os fatores que tornam nossos pacientes menos econômicos, podemos traçar estratégias para melhorar essa eficiência e reduzir o custo metabólico da marcha. Algumas abordagens práticas incluem:
- Treinamento de força muscular: Exercícios dos extensores do quadril são essenciais. Pode-se começar com ponte e treino de levantar, mas é importante incluir exercícios em pé, com elásticos entre as pernas, e solicitar que o paciente realize extensões de quadril. Esse movimento exigirá o equilíbrio da perna de apoio e ativará os glúteos na postura específica da marcha.
- Melhorar da biomecânica da marcha: Intervenções para aumentar a velocidade da marcha e equilíbrio são muito importantes nesse perfil de paciente.
- Treino de potência: Potência é a capacidade de gerar força no menor tempo possível. Exercícios que exijam execução mais rápida, pequenos saltos e balanço de quadril podem auxiliar nesse processo.
- Treinamento de resistência aeróbica: Programas progressivos de caminhada e exercícios aeróbicos otimizam a capacidade cardiorrespiratória e reduzem o custo de oxigênio.
- Aprimoramento da coordenação e equilíbrio: Treinar marcha lateral, andar de costas, andar em linha reta e em terrenos variados são exercícios que aumentam a coordenação específica para a marcha.
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Se quiser aprofundar mais sobre custo metabólico leia a edição 4 da newsletter que abordei sobre METS em repouso e em diversas atividades físicas. Ficou muito legal. Clique AQUI para ler.
Até mais,
Chico
Referências
1. Jones AM. The physiology of the world record holder for the women's marathon. Int J Sports Sci Coach. 2006;1(2):101-16.
2. Molino-Lova R, Pasquini G, Vannetti F, Paperini A, Forconi T, Zipoli R, Polcaro P, Cecchi F, Macchi C. The improvement of walking speed after cardiac rehabilitation is associated with the reduction in the metabolic cost of walking in older persons. Gait Posture. 2012;35(3):458-61.
3. Ciprandi D, Zago M, Bertozzi F, Sforza C, Galvani C. Influence of energy cost and physical fitness on the preferred walking speed and gait variability in elderly women. J Electromyogr Kinesiol. 2018;42:45-52.
4. Wert DM, Brach JS, Perera S, VanSwearingen JM. Gait biomechanics, spatial and temporal characteristics, and the energy cost of walking in older adults with impaired mobility. Phys Ther. 2010;90(7):977-85.