Newsletter#15 - Sexo e Doença Cardiovascular: Verdades e Cuidados
Francisco, quando posso voltar a namorar minha esposa? Será que meu coração aguenta? Posso voltar a tomar meu comprimidinho?
Quem trabalha com reabilitação cardiovascular cedo ou tarde vai escutar ao pé do ouvido essas dúvidas dos pacientes. Quando ouvi essas perguntas pela primeira vez fiquei constrangido e sem saber exatamente como responder. Muitos pacientes já me relataram a dificuldade em conversar sobre o assunto com seus médicos, seja por vergonha, seja porque não tiveram espaço para isso na consulta, transformando algo que deveria ser simples em um grande tabu.
Buscando informações sobre o tema, encontrei artigos interessantes, mas pouco práticos, até assistir a uma aula do Prof. Claudio Gil Soares. Nessa aula, ele apresentou um método que achei bem aplicável para estratificação de risco, que adotei desde então. Claro, sempre oriento o paciente a conversar com seu médico também, especialmente se houver disfunção erétil ou sintomas sugestivos de angina durante a relação.
Sexo aumenta o risco de infarto?
Essa é uma pergunta central, e no senso comum, a resposta é sim! Todo paciente que já infartou ou tem alguma alteração no coração costuma usar a expressão: 'não posso me estressar, sou cardíaco'. Mas o que a ciência realmente diz sobre o assunto?
Pessoas sedentárias têm um risco relativo maior (cerca de 4,4 vezes) de ter um infarto durante o sexo, comparadas às fisicamente ativas (risco relativo de apenas 0,7). Isso reforça que a aptidão física desempenha papel protetor também durante a atividade sexual.
Apesar de pessoas com baixa aptidão física terem maior risco relativo, é essencial ressaltar que o risco absoluto é muito baixo. Apenas cerca de 1% dos infartos são relacionados à atividade sexual. Para ser ainda mais claro: uma hora de atividade sexual por semana (me parece um tempo bem razoável para pessoas com DCV) aumenta o risco absoluto de infarto em apenas 2 a 3 casos a cada 10 mil pessoas por ano. A chance de morrer dormindo e transando é quase a mesma, segundo alguns estudos.
A mensagem principal é que pessoas com alto risco cardiovascular possuem risco elevado de infarto ou morte súbita em qualquer condição e qualquer esforço físico, e a atividade sexual não é necessariamente mais perigosa que outras atividades diárias. Entender o comportamento do paciente durante a reabilitação será essencial para avaliar o risco durante o ato sexual.
Quantos METs gastamos durante o amor?
Antes de seguir, tente responder: quantos METs você acha que gastamos durante o ato sexual? (se você não sabe sobre METS leia AQUI).
Antes de responder a essa pergunta, é importante ressaltar que é difícil estimar o gasto metabólico, já que não há uma forma padrão para as relações sexuais. Quando pesquisadores estimam o gasto calórico, geralmente consideram relações entre parceiros conhecidos (cônjuges), casais heterossexuais e em posições "convencionais". Portanto, atos mais "intensos" ou com múltiplos parceiros podem alterar bastante essa estimativa.
Na média, segundo a maioria dos estudos que avaliaram, relataram que uma relação sexual convencional tem um gasto metabólico de 3 a 5 METs, gasto metabólico semelhante a subir escadas ou fazer uma atividade física com frequência cardíaca próxima de 120 bpm. Achou muito ou pouco, Tarzan ou Jane?
Qual a resposta cardiovascular durante atividade sexual ?
A sensação de cansaço e respiração acelerada durante o sexo não decorre apenas do aumento metabólico causado pelo movimento pélvico ou corporal. Alguns estudos, sendo os primeiros realizados nos anos 30, investigaram diretamente o comportamento de variáveis cardiovasculares (FC, PAS, PAD e ECG) durante o ato sexual. Um estudo interessante foi realizado por Littler e colaboradores, publicado em 1972, que monitoraram sete jovens entre 20 e 35 anos utilizando cateter invasivo arterial e ECG por 24h.
Os autores observaram que o aumento da PAS, PAD e FC é mais discreto durante a fase inicial do coito, com aumento de 20 a 40 bpm em relação à FC basal. Eles Relataram também que provavelmente o reflexo barorreceptor regula o aumento dessas variáveis durante a fase do exercício. No entanto, próximo ao orgasmo, essa proteção dos barorreceptores fica temporariamente 'desligada', permitindo que tanto a frequência cardíaca quanto a pressão arterial aumentem juntas rapidamente, entretanto, por pouco tempo. Logo em seguida, ocorre uma redução rápida da FC e uma diminuição tanto da PAS quanto da PAD, promovendo um efeito hipotensor interessante. No estudo, os autores apresentam uma tabela com a FC, PA e tempo da relação sexual de cada voluntário. Nessa tabela abaixo, os autores mostram o tempo da relação e o comportamento da FC e da PA de cada vonluntário .

Estratificando o risco para o ato sexual
Na minha opinião, o modelo que mais auxilia no aconselhamento sexual de pessoas com doença cardiovascular é o modelo KITOMI (acho o nome bem sugestivo). Esse modelo foi pensado pelos cardiologistas Ricardo Stein e Claudio Gil, ambos muito ligados e com vasta produção dentro da reabilitação cardiovascular. Vou tentar explicar aqui como o modelo funciona e vou colocar o artigo no site (acesse aqui) para que vocês possam tirar suas próprias conclusões.
O modelo mais prático e claro que conheço é o modelo KITOMI, desenvolvido pelos cardiologistas Ricardo Stein e Claudio Gil Soares. Esse método leva em consideração as diferentes formas de atividade sexual:
- KIT: beijo e toque.
- KITOM: beijo, toque, sexo oral e masturbação.
- KITOMI: beijo, toque, sexo oral, masturbação e penetração.
Uma grande vantagem desse modelo é que ele não impõe restrições absolutas à atividade sexual, mas sim adapta as diferentes possibilidades ao risco cardiovascular de cada paciente. Vamos à classificação:
Alto risco (KIT): Pacientes com insuficiência cardíaca avançada, arritmias graves ou recém-operados devem inicialmente praticar apenas beijo e toque, adiando atividades mais intensas por pelo menos 2 a 4 semanas até estabilização clínica. Pacientes crônicos com angina ou dispneia em repouso ou mínimos esforços também entram nessa categoria.
Risco moderado (KITOM): Pacientes nas primeiras duas semanas após intervenções cardíacas bem-sucedidas ou infarto recente não complicado podem gradualmente retomar atividades sexuais intermediárias (beijo, toque, sexo oral e masturbação), preferencialmente em ambiente confortável e com parceiros habituais. Geralmente, esses pacientes caminham menos de 450 metros no teste de caminhada de 6 minutos ou menos de 100 passos no teste de degrau.
Baixo risco (KITOMI): Pacientes após 1 a 2 meses de um evento cardíaco estável, cirurgia cardíaca bem-sucedida ou jovens com doenças cardíacas controladas podem retomar plenamente todas as atividades sexuais. Uma maneira simples de confirmar isso é o teste de caminhada de 6 minutos: se o paciente percorrer entre 450 e 500 metros sem sintomas, está liberado para o KITOMI!
A figura abaixo mostra a linha de raciocínio retirado do artigo do Dr. Ricardo Stain e Claudio Gil

Por último, sempre incentive o diálogo aberto sobre temas como disfunção erétil, orientando o paciente a buscar suporte médico quando necessário, para promover confiança e tranquilidade nessa retomada.
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Chico
Referências:
1. Littler WA, Honour AJ, Sleight P. Direct arterial pressure, heart rate and electrocardiogram during human coitus. J Reprod Fertil. 1972;40(2):321-331.
2. Stein R, Sardinha A, Araújo CGS. Sexual Activity and Heart Patients: A Contemporary Perspective. Can J Cardiol.2015;31(12):1425-1435.
3. Araújo CGS, Stein R, Sardinha A. Sexual Counselling in Cardiac Rehabilitation: An Urgent Need for More Consideration and Study. Can J Cardiol. 2018;34(12):1546-1548.