Newsletter#17 - O poder das intervenções não farmacológicas na DAC
O Poder das Intervenções Não Farmacológicas no tratamento da DAC
Quando escrevo essa newsletter (março 2025), quase 76 mil brasileiros já morreram ESTE ANO por doenças cardiovasculares (DCV). E, até o final de 2025, provavelmente 400 mil pessoas terão perdido a sua vida para essa mesma condição. É triste é saber que grande parte dessas mortes poderia ter sido evitada com o diagnóstico e tratamento multidisciplinar adequados.
Nos últimos dois anos, tivemos grandes atualizações sobre o assunto: em 2023, o Colégio Americano de Cardiologia lançou sua atualização sobre DAC crônica; e, em 2024, a Sociedade Europeia revisou suas recomendações. Aqui no Brasil, a última diretriz sobre o assunto já tem 11 anos, e a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) prevê uma nova publicação sobre "obesidade e doenças cardiovasculares" para 2025. Então o que vamos abordar aqui é o que tem de mais atual no mundo sobre o assunto.
Na edição de hoje, vou focar nas estratégias não farmacológicas para o tratamento da DAC – excluindo o exercício físico, que merece uma newsletter só para ele! Acho que vale a parte 2 desse tema, o que acha ? Se quiser pode comentar, respondendo o email ou pelo site.
O Estudo que Mudou Tudo
Entre os muitos estudos publicados nos últimos anos abordando o tratamento da DAC, um me chamou muita atenção e deu o que falar em plena pandemia: o ISCHEMIA Trial. Esse estudo foi um dos mais citados nas diretrizes americana e europeia de DAC e, de certa forma, derrubou certezas que pareciam inquestionáveis na Cardiologia.
Talvez seja só impressão minha, mas acredito que esse estudo ajudou – e muito – a mudar o foco do tratamento da DAC. Se ele teve tanto impacto, você também precisa conhecê-lo.
Vamos direto ao ponto:O ISCHEMIA Trial, publicado na JAMA em 2020, teve como objetivo testar a hipótese que a revascularização do miocárdio (angioplastia ou cirurgia tradicional), quando combinada à terapia medicamentosa, reduziria eventos cardiovasculares e mortalidade em comparação com a terapia medicamentosa isolada, em pacientes com alto risco de infarto.
Até então, a lógica parecia simples: se um paciente possui uma artéria que está parcialmente obstruída, desobstruí-la reduziria o risco de infarto – afinal, se um cano está entupido, basta desentupir, não é? Mas o que o estudo mostrou pegou muita gente de surpresa:• O grupo que passou por revascularização de forma eletiva teve um aumento inicial no risco de infarto, especialmente nos primeiros 6 meses.• Após 3 anos de acompanhamento, não houve diferença na mortalidade ou na incidência de novos infartos entre os grupos invasivo e conservador.
Um detalhe importante: já sabíamos há anos que tratar lesões pequenas com cirurgia ou stent não reduzia o risco de infarto em pacientes crônicos. Por isso, no ISCHEMIA Trial, foram incluídos apenas pacientes com isquemia moderada a grave comprovada por testes funcionais – ou seja, pacientes crônicos com DAC significativa e indicação real para tratamento invasivo.
Abaixo, confira a curva de mortalidade dos dois grupos: o grupo invasivo (vermelho) teve um aumento inicial, enquanto o conservador (azul) apresentou maior incidência de eventos mais adiante, mas sem diferença estatisticamente significativa entre os dois grupos.)

Você é o que você Come!
A alimentação desregulada está no centro da DAC. O consumo excessivo de calorias, principalmente de ultraprocessados, bebidas açucaradas e gorduras saturadas, desempenha um papel fundamental no desenvolvimento de obesidade, hipertensão, diabetes e dislipidemia. Se uma má nutrição está na gênese do problema, não é difícil imaginar que a reeducação alimentar é um dos pilares do tratamento da DAC.
As diretrizes americana e europeia reforçam, com alto nível de evidência (Classe 1A), que mudanças na alimentação e no estilo de vida são fundamentais no manejo da DAC crônica. Ambas destacam que a Dieta Mediterrânea reduz a incidência de infarto e AVC em pessoas com risco cardiovascular, sendo a mais recomendada para esses pacientes.A diretriz americana também sugere a Dieta DASH como uma alternativa eficaz para hipertensos, pois há forte comprovação de que ela ajuda a reduzir a pressão arterial. Veja a tabela abaixo para comparar as duas dietas:

Vale a Pena Falar Sobre o Óleo de Coco
A substituição de óleos vegetais por óleo de coco não é recomendada devido ao seu alto teor de gordura saturada. Cerca de 90% do óleo de coco é composto por gordura saturada, e seu consumo está associado ao aumento do LDL (colesterol ruim), triglicerídeos e colesterol total, com apenas um discreto aumento do HDL.Por isso, seu consumo deve ser desencorajado, especialmente em pessoas com risco cardiovascular. Para quem busca opções mais saudáveis, prefira óleos ricos em gorduras insaturadas, como o azeite de oliva extravirgem e o óleo de canola. Confira nas referências a revisão sistemática que abordou esse tema.
Outras Estratégias Não Farmacológicas para o Tratamento da DAC
A reabilitação cardíaca não se resume apenas à nutrição e ao exercício. É fundamental que os profissionais que atendem esse perfil de paciente o auxiliem no ajuste de outros aspectos da saúde, que podem fazer grande diferença no resultado final da reabilitação. Ambas as diretrizes destacam as estratégias de estilo de vida com evidência científica na modificação dos desfechos clínicos, seja na redução de novos eventos, na melhoria da qualidade de vida ou na diminuição dos sintomas.
Aqui, resumi as principais estratégias comportamentais que podem ajudar seu paciente e otimizar seus resultados:
📌 Controle do Estresse e Saúde Mental
• Estresse crônico e transtornos mentais (como depressão e ansiedade) estão fortemente ligados ao desenvolvimento e progressão da DAC.
• Estratégias como terapia cognitivo-comportamental (TCC), mindfulness e suporte social são recomendadas, especialmente para pacientes com histórico de eventos cardiovasculares.
• Em casos de depressão moderada a grave, os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) podem ser considerados – sempre com monitoramento da equipe médica.
📌 Qualidade do Sono
• Distúrbios do sono, como a apneia obstrutiva, estão associados a um maior risco de eventos cardiovasculares.
• O tratamento com CPAP pode reduzir a pressão arterial e melhorar a função cardiovascular.
• Manter um ritmo regular de sono e evitar cafeína e telas antes de dormir são práticas recomendadas.
📌 Redução do Sedentarismo
• Ficar muito tempo sentado é um fator de risco independente para doenças cardiovasculares e metabólicas.
• Pequenos intervalos ativos ao longo do dia – levantar a cada 30-60 minutos para caminhar – podem melhorar marcadores metabólicos.
📌 Controle do Consumo de Álcool e Tabaco
• Fumar é um dos principais fatores de risco modificáveis para a DAC.
• Intervenções como terapias de reposição de nicotina, bupropiona e vareniclina podem dobrar a taxa de sucesso na cessação do tabagismo.
• O consumo excessivo de álcool deve ser reduzido ou eliminado, dependendo do perfil do paciente. Aquele negócio de que uma taça de vinho pode ter efeito cardiovascular protetor tem caído por terra.
Highlights do congresso europeu na CentralFlix
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Por: Francisco Oliveira
divulgador científico - Central da Reabilitação
Referências:
1. Knuuti J, Wijns W, Saraste A, et al. ESC Guidelines for the diagnosis and management of chronic coronary syndromes. Eur Heart J. 2019;41:407–477. doi:10.1093/eurheartj/ehz425.
2. Virani SS, Newby LK, Arnold SV, et al. 2023 AHA/ACC/ACCP/ASPC/NLA/PCNA Guideline for the Management of Patients With Chronic Coronary Disease. J Am Coll Cardiol. 2023;82(9):833–955. doi:10.1016/j.jacc.2023.04.003.
3. Maron DJ, Hochman JS, Reynolds HR, et al. Initial Invasive or Conservative Strategy for Stable Coronary Disease. N Engl J Med. 2020;382(15):1395–1407. doi:10.1056/NEJMoa1915922.
4. Neelakantan N, Seah JYH, van Dam RM, et al. The Effect of Coconut Oil Consumption on Cardiovascular Risk Factors. Circulation. 2020;141:803–814. doi:10.1161/CIRCULATIONAHA.119.043052.