Newsletter#20- Os Pilares Fisiológicos do Desempenho de Endurance
Este ano completa 100 anos que um dos pais da Fisiologia do Exercício publicou um artigo seminal demonstrando que a performance de endurance humana segue uma curva de potência.
Usando os resultados dos melhores atletas da época, ele chegou a conclusões sobre a performance humana que permanecem válidas até hoje. Mas, naquele momento, ainda não era possível identificar com clareza quais aspectos fisiológicos faziam com que alguns atletas fossem mais rápidos e resistentes do que os simples mortais.
Desde então, muito se tem estudado sobre o que torna um atleta mais eficiente — e, claro, o que fazer para melhorar esses aspectos. Afinal, tudo que envolve alto rendimento recebe muito investimento. E os atletas são as cobaias ideais: fazem o que tem que ser feito, seguem o plano à risca e entregam dados preciosos sobre o que funciona.
No ambiente clínico, foi com os estudos de ergoespirometria que conseguimos desvendar a origem da limitação funcional de cada grupo de pacientes. A partir da análise das variáveis coletadas nesse exame, conseguimos apontar qual das "engrenagens" está mais comprometida — e, a partir disso, traçar estratégias para melhorar o desempenho individual.
Na edição desta semana da newsletter, vamos aquecer para o tema da nossa aula de quinta-feira: quais são os aspectos que determinam a aptidão física, tanto de pacientes em reabilitação cardiovascular quanto de atletas de alto rendimento.
O Modelo de Performance Humana de endurance
Hill propôs que a performance em atividades de endurance obedece a uma curva de potência. Ou seja: conseguimos correr ou pedalar em altíssima velocidade por poucos segundos. Mas, a cada pequeno aumento na distância ou na duração do esforço, há uma queda significativa na velocidade média.
O ponto mais interessante — descoberto por Hill em 1925 e aceito até hoje — é que essa curva não é linear. Existe uma velocidade que conseguimos sustentar por um longo tempo de forma estável, e quanto mais treinado o atleta, maior será essa velocidade.
Esse modelo tem uma aplicabilidade prática enorme: sabendo a velocidade média que um atleta percorre em duas distâncias (uma bem curta e outra mais longa), é possível prever com muita precisão quanto tempo ele levaria para completar qualquer outra distância.
Foi com base nesses modelos matemáticos — descritos inicialmente por Hill e aperfeiçoados por outros autores — que surgiram os algoritmos dos relógios modernos e as estratégias dos treinadores experientes. Comigo sempre funcionou. E nas vezes em que resolvi "confiar no meu feeling" e ignorar o modelo… quebrei!


Modelo da performance humana em esportes de endurance mais aceito atualmente e o modelo publicado por Hill em 1925.

Essa é a curva do meu desempenho, construída a partir da minha velocidade máxima correndo 1 km e 5 km em dias diferentes, e a equação abaixo representa a linha de tendência da minha performance. No final do texto, você pode baixar a planilha e usar a mesma lógica para avaliar sua própria performance.
Quais fatores fisiológicos determinam o desempenho humano?
Quando falamos de capacidade funcional máxima, é impossível ignorar o VO₂máx — o velho conhecido de quem estuda desempenho. Ele representa o quanto o corpo consegue captar, transportar e utilizar oxigênio durante um exercício de alta intensidade. Na equação clássica:
VO₂máx = Débito Cardíaco x Diferença Arteriovenosa de O₂ (CaO2 - CvO2)
Essa fórmula simples esconde uma complexidade fascinante. Vamos destrinchar os principais determinantes:
1. Débito Cardíaco: o maestro do desempenho
De todos os componentes, o débito cardíaco máximo é o mais determinante do VO₂máx, principalmente em pessoas saudáveis. E quem comanda esse jogo é o volume sistólico — não a frequência cardíaca máxima, que praticamente não muda com o treinamento ao longo dos anos.
A melhora do desempenho cardiovascular está muito mais associada à capacidade do coração de ejetar mais sangue por batimento do que bater mais rápido.
E mais: a fração de ejeção, tão usada em cardiologia, não é um bom marcador da performance cardíaca durante o esforço. A métrica que realmente importa é o volume sistólico em pico de esforço.
2. Carregamento de Oxigênio: o papel da hemoglobina
A quantidade de oxigênio que chega aos tecidos depende da equação:
CaO₂ = (1,39 x Hb x SaO₂) + (0,003 x PO₂)
Ou seja, qualquer redução na massa de hemoglobina ou na saturação de oxigênio tem impacto direto na performance.
– Pacientes com anemia persistente têm uma resposta menor ao treinamento aeróbio;
– A hipoxemia induzida pelo exercício é um fator determinante também na capacidade funcional. Nesta semana vai acontecer a semana da fisiologia do exercício e vamos falar de forma mais profunda sobre este fenômeno que pode ocorrer em atletas e pacientes em programas de reabilitação cardiorrespiratória.
3. Extração de Oxigênio: o poder dos músculos
O oxigênio chega ao músculo, mas… e aí? Ele precisa ser extraído e utilizado. Essa capacidade depende de:• Densidade capilar local;• Capacidade mitocondrial;• Função autonômica e distribuição mais eficiente do fluxo sanguíneo.
Quanto mais treinado o indivíduo, maior a capacidade de extrair oxigênio por grama de músculo ativo.
4. Sistema Respiratório: não é o vilão que muitos pensam
Apesar de parecer intuitivo, o pulmão raramente limita o VO₂máx em indivíduos saudáveis. No pico do esforço, ainda há uma reserva ventilatória superior a 20%. O que pode limitar é a troca gasosa — especialmente em:• Atletas muito treinados (com altíssimo débito cardíaco);• Pacientes com déficit de difusão ou hiperinsuflação dinâmica (como no DPOC);• Indivíduos com fraqueza muscular inspiratória (que ativam precocemente o metaboreflexo e desviam o fluxo sanguíneo dos músculos ativos).
Vem aí: a Semana da Fisiologia do Exercício!
Algumas perguntas que ainda vamos responder durante a Semana da Fisiologia:
• O que é o custo de movimento e como ele influencia a capacidade funcional?
• Força muscular impacta o VO₂máx ou é só coadjuvante?
• O treinamento muscular inspiratório realmente melhora a aptidão cardiorrespiratória?
De 8 a 11 de abril, vamos fazer uma imersão gratuita e 100% online com aulas exclusivas, materiais complementares e discussão de casos clínicos.
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Nos vemos lá!
Francisco Oliveira
Divulgador Científico - Central da Reabilitação
Referências
1. Drake JP, Finke A, Ferguson RA. Modelling human endurance: power laws vs critical power. Eur J Appl Physiol. 2024;124(3):507–526. doi:10.1007/s00421-023-05274-5.
2. Arena R, Lavie CJ, Milani RV, Myers J, Guazzi M. Clinical interpretation of cardiopulmonary exercise testing: current perspectives. Expert Rev Cardiovasc Ther. 2010;8(5):643–655. doi:10.1586/erc.10.35.
3. Jones AM. A.V. Hill and the physiological basis of athletic records. J Appl Physiol. 2006;100(2):328–332. doi:10.1152/japplphysiol.01001.2005.