Newsletter#21- Até onde o coração aguenta? Riscos e benefícios da corrida de longa distância
Esportes de endurance e risco de parada cardíaca
Esportes de endurance tem sido cada vez mais praticado em todo o mundo e segundo relatório publicado pelo Strava a corrida é esporte preferido dos praticantes de esporte de Endurance totalizando mais de 195 milhões de praticantes em todo mundo e o Brasil é o segundo colocado nesse ranking, contribuindo com 10% de todos os corredores de todo o mundo, ficando atrás apenas dos EUA.
Se você mora em Marte e não conhece o Strava vou te explicar rapidamente. O strava é uma rede social de praticantes de esportes outdoor, mas o melhor de APP é que ele te auxilia na gestão dos seus dados relacionados a sua prática esportiva. Lá você fica sabendo quantos kilometros correu num determinado período, pode participar de desafios que pode te ajudar a te manter engajado. A central tem uma comunidade lá, aproveite e entre no nosso clube lá: CLUBE DA CENTRAL
Na linha desse relatório publicado pelo Strava, na semana passada foi publicado na JAMA um artigo sobre a incidência de parada cardíaca (PCR) nas provas maratona e meia maratona (42,2 e 21,1 km). Segundo o estudo nos últimos 10 anos, 29 milhões de Americanos concluíram essas provas de longa distância (22,5 milhões fizeram a meia e 6,8 a completa). O mais impressionante é que esse número é 3x maior do que a década passada (2000-2009).
Na edição desta semana da newsletter vamos discutir esse artigo interessantes sobre a incidência de parada cardíaca, a longevidade dos atletas de endurance e a partir de qual volume o treinamento de endurance pode aumentar um pouco o risco para doenças cardiovasculares. Venha comigo e quem sabe você você fica empolgado(a) e começa correr a também.
Parada cardíaca e mortalidade em provas de longa distância
Será que nosso sistema cardiovascular está mesmo preparado para correr tantos quilômetros? Diz a lenda que o primeiro maratonista da história — o soldado grego Fidípides — caiu morto logo após cumprir sua missão. Em 490 a.C., ele correu de Maratona até Atenas, pouco mais de 42 km, para anunciar a vitória sobre os persas. Desde então, a maratona se tornou símbolo de resistência e está presente em todas as edições das Olimpíadas modernas.
Um estudo robusto publicado no mês passado pela JAMA trouxe dados valiosos sobre isso. Acompanhe os principais achados:
- Mais gente correndo, mas sem aumento de paradas cardíacas: Mesmo com o número de participantes triplicando na última década, a incidência de parada cardíaca (PCR) nas maratonas e meias dos EUA permaneceu estável: cerca de 1 caso para cada 166.667 corredores.
- Homens são os mais afetados: A maioria dos casos aconteceu em homens, especialmente durante as maratonas completas. A meia-maratona apresentou risco significativamente menor.
- Coração de corredor também pode ter placas: O motivo mais comum de parada cardíaca não foi miocardiopatia, mas sim doença arterial coronariana — sim, aquela mesma que afeta sedentários. A mensagem é clara: correr não imuniza ninguém da aterosclerose. Fatores como predisposição genética, dislipidemias e uso de anabolizantes continuam sendo decisivos.
- Menos mortes, graças à resposta rápida: Apesar da estabilidade no número de PCRs, a mortalidade caiu pela metade. Isso indica que os eventos americanos estão mais preparados: desfibriladores automáticos disponíveis, socorristas treinados e protocolos bem definidos devem ter influenciado na redução da mortalidades. Agora… será que no Brasil estamos nesse nível de preparo?
Exercício, fibrilação atrial e o paradoxo dos atletas de endurance
A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca mais comum na população geral. Ela se caracteriza por uma atividade elétrica desorganizada nos átrios, o que compromete o enchimento eficiente do ventrículo esquerdo e aumenta o risco de complicações como AVC, infarto e insuficiência cardíaca. Diversos fatores influenciam seu surgimento, como idade, pressão arterial, obesidade, diabetes, distúrbios respiratórios do sono e características estruturais do coração — especialmente a dilatação do átrio esquerdo.
A boa notícia é que a prática regular de exercício físico protege contra o surgimento da FA, principalmente quando associada à melhora da aptidão cardiorrespiratória. Pessoas com VO₂ mais elevado apresentam menor risco de desenvolver a arritmia, e pacientes com FA que melhoram seu condicionamento físico tendem a apresentar menos recidivas e menor carga de sintomas. Um estudo citado no artigo mostrou que pacientes com FA que aumentaram sua capacidade aeróbia durante um programa de exercícios reduziram significativamente a severidade da doença.
Por outro lado, atletas de endurance — especialmente aqueles com décadas de treinamento intenso — parecem formar uma exceção à regra. Estudos mostram que corredores veteranos, ciclistas e esquiadores de longa distância apresentam risco 2 até 10 vezes maior de FA em comparação a indivíduos ativos moderados. Essa associação parece estar ligada a adaptações como dilatação crônica do átrio esquerdo, aumento do tônus vagal, estresse hemodinâmico prolongado e inflamação persistente. Ainda assim, o risco está concentrado em quem ultrapassa volumes extremos de exercício (mais de 9 horas semanais de treinos intensos), reforçando que, para a maioria das pessoas, o maior risco ainda é permanecer sedentário.

A imagem ao lado (2), mostra a relação entre a carga semanal de exercício (em MET-horas) e o risco de fibrilação atrial. Perceba que volumes acima de 55 MET-horas por semana estão associados a um aumento significativo do risco de FA. Pra traduzir esse número: isso equivale, aproximadamente, a correr a 10 km/h por 5 horas e meia toda semana. Vamos combinar? A imensa maioria das pessoas está bem longe desse nível de treinamento. Ou seja, esse risco elevado se aplica a uma minoria — geralmente atletas de endurance com anos de prática intensa.
Fibrose miocárdica: o "calo" do coração
- Estudos com ressonância magnética cardíaca (RMC) identificaram áreas de fibrose (tecido cicatricial) no miocárdio de atletas veteranos, principalmente em regiões subendocárdicas.
- Essas áreas podem ser resultado de microlesões repetidas pelo estresse mecânico e inflamação durante treinos intensos.
- Embora nem sempre causadoras de sintomas, essas cicatrizes aumentam o risco de arritmias ventriculares e eventos adversos.
Calcificação coronariana: o paradoxo dos atletas- Atletas de endurance, especialmente homens, apresentam score de cálcio coronariano mais alto do que indivíduos ativos em níveis moderados.
- Em alguns estudos, os corredores de longa distância tinham até 2 a 3 vezes mais placas calcificadas.
- Detalhe importante: essas placas tendem a ser mais estáveis (menos propensas à ruptura) do que aquelas em indivíduos sedentários com aterosclerose inflamatória.
Em posse dessas informações, fica claro que se você é um atleta amador de elite, com horas de treinamento por muitos anos você precisa realziar um acompanhamento médico para avaliar os efeitos do treinamento de alto volume no seu coração. De outro lado, vale ressaltar que o maior risco para o sistema cardiovascular é o sedentarismo.
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Referências:
Kim JH, Baggish AL, Chung EH, et al. Cardiac Arrest During Long-Distance Running Races. JAMA Intern Med. 2025;185(4):225–233. doi:10.1001/jamainternmed.2024.8110
Levine BD, Baggish AL, Kovacs RJ, et al. Exercise-Related Acute Cardiovascular Events and Potential Deleterious Adaptations Following Long-Term Exercise Training: Scientific Statement From the American Heart Association. Circulation. 2021;144(24):e456–e471. doi:10.1161/CIR.0000000000001016